Texto 9: A vocação como encontro
Estamos
chegando ao final deste primeiro módulo sobre o discernimento vocacional.
Parabéns a você que esta perseverante nas leituras e exercícios pessoais. Neste
nono texto vamos refletir sobre a vocação com encontro entre meu desejo de ser
feliz e a necessidade de fazer feliz, como propósito do processo vocacional.
Todo ser
humano, independente do caminho que deseja seguir, tem como objetivo o desejo
de ser feliz. Ninguém caminha sem uma direção, sem um horizonte e sozinho.
Somos por natureza seres de relações, sejam estas familiares, comunitárias,
religiosas. Compreender essas relações é possibilidade de entender que somos
fruto de um contexto histórico-social, de uma época, e que esses fatores
colaboram para a formação integral do ser humano. Não é possível construir uma
individualidade a partir do isolamento, da solidão e da indiferença. A partir
desse princípio, percebemos a importância do encontro como um processo de crescimento
pessoal e humano, nas várias dimensões do ser: afetiva/sexual,
cognitiva/intelectual, espiritual/mística.
Encontro consigo mesmo
Compreender a
própria biografia possibilita assumir escolhas mais certas, firmes e autênticas.
E, é justamente partindo desse princípio que o encontro se faz tão necessário,
ajuda-nos a entender as motivações profundas, o desejo essencial que se traz no
coração, corroborando para refletir as opções vocacionais que batem à porta.
Hoje, têm-se
inúmeros caminhos, caminhos estes que podem conduzir à maturidade e
discernimento vocacional, ou à perda dos ideais plantados e sonhados, por meio
da decepção, frustração e fracasso. São tantos os caminhos, tantas propostas que
indaga, questiona, provoca, e de certo modo, às vezes, segue-se por onde não se
deseja andar. Partindo dessa reflexão: como o encontro proporciona a
experiência vocacional por meio do desejo e da disposição? Responder a essa
pergunta talvez não seja tão fácil, pois algumas respostas são inerentes à
individualidade do ser e ao projeto de vida, no entanto, são possíveis alguns
apontamentos, esclarecimentos que abrem a visão e permitem uma reflexão
profunda dos anseios vocacionais. A princípio é necessária uma reflexão breve
do que seja o desejo e a disposição, nem sempre um é condicionante do outro, há
desejos que surgem no coração e na vida que, muitas vezes, não correspondem à
disposição necessária para seguir. Dado esse breve esclarecimento é possível
construir um discernimento maduro e consistente da opção que se faz.
Encontro a partir da palavra de Deus
O Evangelho de
São Mateus (19, 16-22) traz a narrativa de um jovem que se aproxima de Jesus,
desejando saber o que necessitaria para conseguir a vida eterna. Mediante seu
desejo, Jesus diz que era necessário seguir os mandamentos. De prontidão o
jovem afirmou observar tais mandamentos. Jesus convida-o a dar um passo além de
sua comodidade, ordenando que vendesse seus bens e distribuísse o dinheiro aos
pobres. Depois dessa ação, podia segui-Lo. Entristecido, não assume o
compromisso, porque possuía muitas propriedades, não conseguia ser disponível e
disposto.
É possível
refletir o conceito da palavra desejo mediante essa narrativa. De início é
importante frisar que existem diferentes conceitos, partindo de várias
análises, sejam elas filosóficas, sociológicas, ou teológicas, mas de maneira
simplificada, compreende-se que o desejo nasce de forma individual e pessoal,
motivado por inúmeros fatores que podem ser internos, próprio da pessoa, ou de
fatores externos. Esses agem como motivadores da caminhada. Geralmente o desejo
surge a partir de uma necessidade não satisfeita, ou de algo que preencha
espaços “vazios” de nosso ser. A busca por algo que completa, pode ser um
primeiro passo, para o entendimento do desejo. Este, por sua vez, é propulsor,
faz movimentar e buscar pelas realizações. A partir do texto bíblico, percebe-se
que as ações realizadas por Jesus, em sua forma de ser, conduzir e ensinar,
provavelmente motivaram aquele jovem à busca pela completude do ser, aquilo que
para ele era necessidade, tornou-se uma motivação, um despertar de seu desejo
interno.
No entanto, para a concretização desse desejo,
era necessário um despojamento, uma disposição livre e consciente. O que não
houve, pois a sua riqueza e seus bens materiais impediram-no de seguir Jesus. A
disposição é fazer algo pelo próprio querer, sem imposição
ou obrigação. Faço porque desejo. O jovem, não assumiu seu desejo, pois para ele,
deixar aquilo que era seguro, os bens materiais, era como desfazer-se de si
próprio, não enxergou além das comodidades, não se dispondo a seguir Jesus.
Vê-se, desse
ponto de vista, que desejo e disposição nem sempre andam em um mesmo paralelo,
posso assumir um desejo, sem, no entanto, estar disposto a concretizá-lo. A consequência
dessa ação pode gerar a frustração do projeto de vida. Agora nos é pertinente
questionar: O que é necessário ser feito para que os jovens assumam, de forma
integral, o desejo contínuo da busca do sentido de vida e a plena realização do
projeto pessoal vocacional? A resposta não pode ser dada como uma receita, que
descreve passo a passo o que deve ser feito; hoje, são necessárias condições
para que o/a jovem desenvolva de forma saudável a vocação. O contexto atual de
sociedade globalizada, extremamente individualista e capitalista, não valoriza
aspectos essenciais ao ser humano como, solidariedade, amizade e a própria
juventude. É necessário apontar
caminhos, tornar-se ponto referencial para ajudar, conduzir, auxiliar, ser agente
motivador. Aí sim, é possível que o encontro com outro estabeleça condições
pertinentes ao crescimento e amadurecimento pessoal.
Vocação como encontro
Quando se diz
vocação como encontro, afirma-se que o processo vocacional pode ser
estabelecido com a ajuda do outro. Retomando a primeira questão apresentada sobre
como o encontro proporciona a experiência vocacional, por meio do desejo e da
disposição, é evidente o encontro como possibilidade vocacional, pois necessito
do outro, necessito de pontos referenciais que indiquem a construção una das
minhas escolhas, dos meus ensejos. Toda caminhada é permeada por encontros,
sejam de forma direta, pessoal e física, ou de encontros “espirituais”,
místicos que possibilitam uma relação transcendente com o Deus da vida. Há uma
relação mútua entre experiências pessoais e o chamado de Deus. Sabe-se que, por
excelência, tem-se como primeira vocação o chamado à vida, cuidar daquilo que
foi dado pela gratuidade e bondade do Criador, a partir dessa dimensão, e da
caminhada, posso responder seguramente a esse chamado.
Morano (2007, p.25) nos diz que “cada um de
nós é marcado por uma história, por uma biografia”, e tomando essa afirmação
como premissa, para conscientizar que é daí que conseguimos elaborar escolhas
pertinentes a nossa vocação. O autor relata que Deus chama, tendo como base a
realidade, o chão histórico e atual, mas o discernimento dá-se de maneira individual,
trazendo presente o mundo dos desejos. Mota (2011, p. 442) relata que fazer “experiência
pressupõe união entre um desejo e uma iniciativa”, a iniciativa tem uma dimensão
divina, e só irá de fato efetivar se encontrar na pessoa chamada um desejo despertado,
uma disposição permanente. É urgente transformar nossa motivação vocacional em
objeto de amor, e constante desejo.
Deus permeou a
nossa história, despertando em diferentes pessoas, o desejo do seguimento. Pela
Encarnação, Deus tornou-se um Ser de relação,
que tece incessantemente a vinculação com o ser humano. Todo encontro é
um aprendizado, uma oportunidade de aprender com o outro, que interpela,
questiona, vivencia uma experiência diferente da minha. Devo coexistir e
refletir a partir desses encontros a possibilidade do crescimento, da
auto-avaliação, das mentalidades solidificadas pelo comodismo, pelo egoísmo e
pela transitoriedade. Se o encontro não motiva a mudança ou agregação de novos
valores e conceitos, não há proposta de diálogo, de encantamento, de conversão,
daquilo que o outro me possibilita como vivência cristão-espiritual.
Jesus, também,
estabeleceu uma série de encontros, com o jovem, a mulher adúltera e a
samaritana. Seus encontros causaram uma mudança radical e efetiva na vida pessoal
daqueles que fizeram essa experiência. A vocação se dá de forma pessoal e
singular, mas necessito do outro como possibilidade de interpelação divina, que
ajuda na busca e efetivação da proposta vocacional. Posso construir essa
proposta, a partir da realidade, daquilo que é essencial, trazer dentro de uma
perspectiva afetiva e amorosa, aquilo que, muitas vezes, se qualifica
unicamente como intelectualidade e racionalidade.
A juventude
pode sim seguir uma vocação, desde que se ofereçam espaços que possibilitem o
desenvolver, o agir e fazer discernir a vocação de cada um/uma. O jovem
necessita de desafios, de experiências significativas que façam valer a
proposta escolhida. Não estamos aqui para imitar e copiar tudo o que Jesus fez,
mas para seguir e fazer de seu Reino anunciado, um Reino de identificação que
faça mergulhar profundo na vocação independente de suas variadas formas. Há
várias maneiras de assumir nossa vocação: como encontro, com aquele que desperta
um desejo referencial, que seja um constante renovar-se, entre a própria
juventude; encontros com a comunidade, a família, a escola, nos espaços que
frequento. É possível essa experiência desde que o seguimento de Jesus, seja
para nós, princípio e fim de todo encontro. Faça a experiência do encontro,
deixe-se encontrar, e experimente a concretização humana da vocação Divina. O
caminho está posto e necessita basicamente do primeiro passo.
Questões
1 - O desejo e a disposição são
fatores inerentes ao seguimento da vocação cristã, estabelecer uma relação
concreta entre esses dois aspectos, é possibilidade para caminhar mais seguro e
certo; como esses dois fatores podem contribuir para o amadurecimento da
vocação pessoal, partindo da realidade vivida?
A - O desejo e a
disposição estão relacionados de forma direta e inseparável, só posso levar em
consideração o amadurecimento vocacional a partir de elementos externos da
pessoa humana.
B - O desejo
profundo, pessoal e cultivado, a partir de um querer livre sem imposição,
associado à biografia, à experiência vivida na comunidade, na igreja,
possibilita um amadurecimento das minhas escolhas vocacionais.
C - O desejo e a
disposição não são aspectos práticos das minhas escolhas vocacionais, a vocação
dá-se de maneira desestruturada, e não é influenciada por aspectos internos e
externos da vontade pessoal.
2 - O encontro
pode favorecer uma experiência profunda de interpelação de Deus na história
pessoal, como o encontro pode favorecer um amadurecimento vocacional e pessoal,
que ajuda nas escolhas de vida:
A - O encontro pode fortalecer
minhas escolhas, mediante a interpelação do outro como possibilidade de
encontro com Deus.
B - Mesmo que o encontro não
possibilite uma mudança, um aprendizado, um diálogo, posso conseguir sozinho um
direcionamento vocacional.
C - Deus não possibilita um
encontro, entre aqueles a quem soa o chamado vocacional, não posso levar em
consideração que os encontros com Deus amadureçam a opção vocacional.
3 - Hoje é
necessário trazer presente a essencialidade da vocação como proposta de
caminho, todo jovem, só irá se encantar com uma opção, se esta proporcionar uma
identificação afetiva, e isso poderá for efetivado à medida que:
A - Tomo o chamado
de Deus somente como algo de cunho racional e intelectual.
B -Transformo a
experiência vocacional em algo afetivo, identificando e amando aquilo que
proponho como caminhada e projeto de vida.
C - Não necessito me
utilizar dos afetos, do coração como meios de amadurecimento vocacional, a
razão me proporciona uma escolha certa e efetiva.
Bibliografia
MORANO, Carlos Domínguez.
Afetividade, Espiritualidade e Mística. Rio de Janeiro. Publicações CRB, 2007.
MOTA, Rubéns Nunes. Experiência
de Deus que gera projeto de vida. IN: Convergência, Setembro de 2011, XLVI, n°
444.
Fr. Rubens Nunes da Mota, OFMCap.
(Organizador)
Assinar:
Postagens (Atom)
0 comentários:
Postar um comentário